A PÍLULA DA FELICIDADE

Minha mulher foi fazer uma consulta para tratar de sua enxaqueca e o doutor chegou a conclusão que ela precisava tomar antidepressivo. Agora virou moda. Tudo que é médico acha que o paciente tem que tomar um comprimido desses pra dar um up, pra segurar a barra do dia a dia.
O problema é que minha mulher já é acelerada por natureza. Não sei de onde o cara tirou essa idéia. O resultado é que ela entrou num estado de euforia permanente e começou a apresentar um comportamento de risco. Risco dela, da família e da sociedade em geral. Acordava às 5 da manhã. Fazia esteira, lendo o jornal e vendo TV. Ia pra cozinha, ligava todos os aparelhos, preparava o café de todo mundo, adiantava o almoço, o jantar, batia um bolo e misturava açaí com granola no liquidificador. Aí, com o som da sala em alto volume, nos empurrava pra fora da cama e começava a sessão de ginástica aeróbica.
Tentei consolar meus filhos: “Não se preocupem. São os comprimidos. Vou falar com o doutor”. Ninguém agüentava mais. Eu andava com o corpo dolorido de tanto exercício e não podia nem sentir cheiro de açaí.
Depois da invenção do antidepressivo, começaram a tomar esse negócio como se fosse uma vitamina que estivesse faltando no organismo. É como se Deus, na hora de criar Adão, tivesse esquecido de colocar a pilha de 9 volts.
Hoje, qualquer situação é desculpa. Se alguém quer emagrecer, antidepressivo. Quer engordar, antidepressivo. Se quer relaxar, se quer ficar ligado, o remédio é sempre o mesmo. Para qualquer sintoma. Não é à toa que é chamada de “a pílula da felicidade”.
Tá todo mundo tomando. E se você não toma, fica fora do tom.
Fui numa festa animadíssima, pura alegria. O único infeliz era eu. Parecia que ninguém tinha contas pra pagar, problemas no escritório e filhos pra criar. Lembrei de Aldous Huxley e seu Admirável Mundo Novo, onde também havia um negócio pra tomar.
Essa idéia do elixir da felicidade acompanha o homem desde os primórdios da civilização. E como a curiosidade mata, resolvi experimentar.
Inventei uma dor no braço, fui numa clínica e saí com uma receita de antidepressivo. Comecei a tomar e me deu um baixo astral do cacete. Jurei que o mundo era mesmo uma merda. Como se não bastasse, comecei a fazer parte daquele grupo chamado de sexualmente inativo. Aí me bateu uma paranóia.
Liguei pro médico e ele me tranquilizou, o tal comprimido diminui o apetite sexual. Ah bom, achei que era eu! É culpa do remédio. Parei na hora. Joguei a caixinha fora.
Não consigo entender essa gente. Estão rindo do quê? Ninguém come ninguém e vivem às gargalhadas.

Trecho do livro O PAI INVISÍVEL (Ed Objetiva)

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